Tri Fuel: o Polo Turbo que queimava álcool, gasolina e GNV
Sistema da Bosch ensaiava um motor turbo flex em 2004
Em 2004, a grande maioria dos carros nacionais já eram flex e o gás natural veicular (GNV) com o metro cúbico vendido por R$ 1,07 (média nacional, segundo a ANP) soava interessante até aos ouvidos dos fabricantes. A Chevrolet saiu na frente com Astra Multipower, que além de álcool e gasolina também funcionava com GNV. Era primeiro carro nacional equipado com kit GNV de fábrica, mas que mesmo assim não escapava da tradicional perda de potência. Meses depois a Bosch aparecia com o que poderia ser a solução: um turbo!
E o ponto de partida para isso foi justamente o Astra, que apenas provava que as reclamações sobre perda de desempenho em carros movidos a gás natural era pertinente. A queda de potência beirava os 20%: enquanto o 2.0 8v gerava 127cv com álcool e 121cv com gasolina, com GNV caía para 105cv, praticamente a mesma potência do motor 1.8 oferecido à época. O torque com GNV era de 16,4kgfm, ante os 19,6kgfm com álcool.
A Bosch continuou trabalhando em um sistema de injeção com funções específicas para cada um dos três combustíveis, e em uma mesma unidade eletrônica de comando - Astra utilizava duas centrais, uma para administrar o líquido e outra para o gás. Daí nasceu o Polo Tri Fuel Turbo, um protótipo funcional apresentado no 13º Congresso da Sociedade de Engenharia Automotiva do Brasil e, posteriormente, na edição de 2004 do Salão do Automóvel de São Paulo.
A peça chave neste caso era uma turbina Garrett GT15 - um pouco maior da que era usada na Parati Turbo 1.0 16v – instalada no motor 1.6 8v (101cv/103cv) para compensar a perda de potência com GNV. E compensava, tanto que gerava 109 cavalos e e 20,5kgfm de torque a 2.500rpm com gás. Com álcool, atingia seu pico: 120cv e 20,8kgfm a 2.000rpm. Com gasolina desenvolvia apenas 102cv e torque de 16,2kgfm a 4.000rpm, praticamente a potência original do motor.
Sem pretensão esportiva, a turbina, que era controlada eletronicamente, trabalhava com pressão menor para o derivado de petróleo, entre 0,2bar e 0,3bar. Para o álcool, a pressão média era de 0,7bar e para o gás, 0,8bar. A diferença era tamanha que o Polo Tri Fuel cumpria o 0 a 100km/h em 10,9s (0,3s mais rápido que o convencional) com álcool, 12,2s com gás e 12,6s com gasolina.
O sistema, batizado de Motronic Tri Fuel, possuía um software instalado em uma única central e capaz de administrar sistemas de injeção e de ignição, controle de ar e regulagem de detonação, se baseando na análise de diversos sensores, que ajustam também a mistura, o avanço e a quantidade de ar que entrava no motor. Só isso já representava um grande avanço em relação ao sistema do Astra.
Cabia ao motorista decidir se o motor trabalharia com o combustível líquido ou o GNV, por meio de um interruptor instalado no painel, onde ficaria o porta-copos retrátil do Polo. O sistema só trocaria caso o combustível em uso estivesse acabando.
O futuro era o nosso passado
A ideia da Bosch era comercializar o sistema Motronic Tri Fuel a partir de 2005, só que sem o turbo para não encarecer o preço final. Mas, no final, nenhum carro chegou a ser vendido. Infelizmente. Pelo menos este foi o primeiro ensaio realista de um motor turbo flex, algo que levaria dez anos para sair do papel, com o lançamento de BMW Série 3 Active Flex e Citroën C4 Lounge THP Flex no ano passado. Curiosamente, nenhum dos dois é capaz de mudar a atuação do turbo de acordo com o combustível.
A Chevrolet também não teve muita sorte com o Astra Multipower. Se a ideia era vender 200 unidades por mês, ao fim de sete meses apenas 300 haviam sido vendidos e a versão saiu do catálogo meses depois.
Apesar dos percalços da concorrente, a Fiat lançou em 2006 o Siena Tetrafuel, que queimava álcool, gasolina brasileira com álcool, gasolina pura e GNV. A versão conquistou um nicho de consumidores e taxistas e dura até hoje, como única opção do gênero. Custa salgados R$ 53.810, R$ 4.860 a mais que a versão Essence 1.6 16v, mesmo que seu motor seja um 1.4 8v de 88cv com álcool, 85cv com gasolina e 75cv com GNV. Só que um consumidor comum precisa rodar muito para justificar o investimento extra.
Em 2007 a Ford também apostou no GNV, oferecendo o kit de conversão para a Ranger a gasolina. A adaptação era feita em oficinas credenciadas da White Martins e por R$ 5.700 o motor 2.3 16v passava a queimar gás sem perder a garantia. A perda de potência era de cerca de 11%, gerando 133cv a 5.250rpm e 19,7kgmf de torque a 3.750rpm com GNV, contra 150cv e 22,2kgmf às mesmas rotações quando com gasolina.
Nessa época o GNV já começava a perder seu apelo. A estatização das reservas de gás bolivianas, em 2005, e a demanda maior de gás por parte das termelétricas elevaram o preço do GNV, até que em 2008 o número de instalações de kit gás começou a cair e a procura por pessoas interessadas em retirar o kit cresceu. Sem apelo e com pouco apoio dos fabricantes, o preço da gasolina vai ter que subir muito para o GNV voltar a ser interessante.