No fim do mundo, Discovery Sport se mostra o carro mais racional da Land Rover
Substituto do Freelander chega em março, mas será brasileiro em 2016
Marcelo Cosentino
Especial para o Novidades Automotivas
Reykjavik, Islândia - Eu me senti como Michael Jackson. Não que eu tenha feito o moonwalk, uma plástica no nariz ou pendurado meu filho na janela. É que, como o rei do pop, eu curti um parque de diversões só para mim. Ele costumava fechar a Disney para os amigos. Eu fui bem mais longe, na gelada e desértica Islândia, que é um parque "ao natural". Ele andava de Space Montain. Eu fui de Land Rover Discovery Sport em penhascos de gelo. Quer saber? O meu brinquedo é mais divertido. Chupa, Mickey!
Em pleno inverno, com neve para tudo quanto é lado e dias curtíssimos (algumas poucas horas), o cenário islandês não é convidativo para famílias com boné do pateta na cabeça. Neste fim de mundo há geleiras, cascalho, pedras, asfalto bom e ruim, gelo e muito, muito espaço vazio. Ou seja, é o lugar perfeito para a Land Rover mostrar o que o seu mais novo utilitário é capaz de fazer.
Na terra viking, basta falar que sou do Brasil para derreter o gelo com os ingleses da Land Rover. A simpatia não é só pelo meu belo sorriso: nosso país é estratégico para estes simpáticos senhores de bochechas rosadas. Desde o ano passado, o grupo constrói uma fábrica em Itatiaia, a 180km do Rio, numa operação quase inédita. Só existem outras duas linhas de produção fora da Inglaterra. Uma na China, em parceria com a Chery (sim, ela mesma!), e outra na Índia, que monta o Freelander em CKD e tem forte influência da Tata, marca indiana que é dona do grupo Jaguar Land Rover.
O primeiro modelo fabricado no Brasil será o - adivinhe? - Discovery Sport. Depois devem vir o Jaguar XE, sedã médio que brigará com BMW Série 3 e cia, e o "Baby Land Rover", um utilitário ainda inédito que terá o porte do EcoSport e preços baixos para o padrão da marca, na casa dos R$ 120 mil.
O Discovery Sport nacional chega só em 2016. Mas, a partir de março, já será possível estacionar na garagem o modelo importado da Inglaterra (feito na tradicional fábrica de Halewood, em Liverpool). Os preços começam em R$ 180 mil, como anunciado no Salão de São Paulo. É uma facada? Sim. Mas será a forma menos cara de levar um Land Rover para casa.
A grosso modo, o Sport é baseado na plataforma EUCD, de origem Ford e que serve a carros variados: desde a perua Volvo V60 ao familiar Ford S-MAX. Quando estreou no Evoque, em 2011, a base recebeu uma plástica no estilo Michael Jackson: foi 90% redesenhada e até mudou de nome, virou LR-MS. Mas qualquer exame de DNA vai mostrar que a paternidade é da Ford.
Na mecânica não há surpresas. Os motores são os manjados 2.0 a gasolina com 240cv com injeção direta ou 2.2 turbodiesel de 190cv - as duas versões serão vendidas no Brasil. O câmbio é o excelente ZF de nove marchas, que também equipa o Evoque e o Grand Cherokee à venda no país. A versão a gasolina promete acelerar como um Golf GTI e beber como um frugal modelo 1.0. Quer mais o quê?
Você pode estranhar que o substituto do Freelander 2 receba o nome Discovery, de outro modelo que será mantido em linha para ganhar uma nova geração posteriormente. Um executivo inglês explica que a decisão foi tomada para facilitar a nova divisão do portfólio Land Rover em três categorias: Range Rover (luxo), Discovery (lazer) e Defender (off-road).
Te conheço?
São 15h e o preguiçoso sol islandês já começa a se despedir. Na porta do aeroporto de Keflavík dezenas de Discovery Sport estão enfileirados. De longe e na penumbra, um colega aponta e diz "vou com aquele ali". Alguém evita o pior: "cara, aquele é um Evoque".
O erro é perdoável. Vindo, os dois são gêmeos bivitelinos. Mudam a grade, o formato dos faróis, a posição da luz de neblina. E só. Quando esteve no Salão de São Paulo, onde foi uma das principais atrações, teve gente confusa com os dois modelos. Nas ruas, não se espante se o Discovery Sport virar o "Evoque grande" ou o "Evoque para sete".
Indo, as coisas começam a fazer sentido. Sabe aquele belo caimento do teto do Evoque, uma de suas marcas registradas? Esqueça. O Sport é mais quadradinho. A razão é simples: abrir espaço para comportar minimamente bem sete passageiros, em três fileiras de bancos. Em alguns ângulos o formato da coluna C e a tampa do porta-malas lembram o Toyota SW4 – que até custa mais caro, diga-se -, mas o porte do inglês é menor.
Assumo o volante de um exemplar na cor prata e lá vem uma sensação de déjà vu. Volante, quadro de instrumentos, central multimídia... eu já vi tudo isso antes em outros Land Rover. A construção é bacana, os materiais são de boa qualidade e a sobriedade inglesa está lá. Mas, como era de esperar, o modelo está um degrau abaixo do Evoque.
Achar uma posição para dirigir é uma moleza com tantos ajustes elétricos. E nem pense em colar a bunda no chão como faria em um esportivo. Aqui o motorista vai obrigatoriamente lá no alto, como um rei no trono. Só que neste caso em vez de súditos, há apenas neve e pedra para todos os lados.
Pressiono um botão para dar partida e o seletor do câmbio emerge no console central. Esta "mágica" também acontece em outros Land Rover e Jaguar. Ligo o aquecedor no máximo. Em minutos o clima siberiano vira algo como o Rio de Janeiro no verão. É hora do show!
Topa tudo
Saio pelas ruas de Reykjavik e o utilitário simplesmente flui. Mal se percebem as trocas de marcha e a suspensão ignora qualquer imperfeição do judiado asfalto local. A direção é uma manteiga de tão macia, o espaço é bom e o único barulho é dos pneus especiais de neve em contato com o solo. Com “You Are Not Alone”, do Michael, no som, os olhos grudam de sono.
Na rodovia o Discovery Sport se transforma. Sem nenhum trânsito, posso explorar melhor o motor 2.0 quatro cilindros com turbo e injeção direta. Aí, meu amigo, é pisar e esperar o soco. As acelerações são vitaminadas e, em alta, a direção fica mais pesadinha. Utilitário e esportividade são palavras que dificilmente aparecem juntas numa mesma frase. Aqui, isso não seria um pecado.
Em dado momento a rodovia principal acaba. Daqui por diante andaremos no gelo e na neve por lugares inóspitos. Para auxiliar o motorista há pequenos totens refletivos nas extremidades do caminho indicando onde posicionar-se. Isso é bem útil pois, em alguns momentos,a visibilidade é próxima de zero. Assim como na Suécia, aqui é obrigatório rodar com os faróis acesos. A polícia anda com uma máquina de cartão de crédito na viatura para multar e cobrar quem não cumpra a exigência.
Com condições extremas, o Discovery Sport tem um santo forte chamado Terrain Response, uma espécie de administrador off-road. São cinco modos: normal, grama-neve-cascalho, lama, sulcos e areia. Se você não é um Sébastien Loeb, é quase obrigatório que ligue o sistema para andar em condições extremas com o mínimo de segurança e controle.
Aí, o carro que vai à frente para. Cravo o pé no freio como se fosse rasgar o assoalho, mas o Sport desliza no gelo enquanto o colega ao lado repete "vai bater, vai bater". Faltando cinco metros para beijar a bunda do carro da frente viro o volante para a esquerda e evito o pior. Paramos em um banco de neve sem prejuízo nenhum ao carro. Confiro se minha cueca ainda está limpa e seguimos viagem.
No Brasil, o Sport não encontrará situações extremas como esta (a não ser que você more em São Joaquim, claro). Mas o sistema Terrain Response será uma mão na roda em outras situações. Na praia ou na estrada prejudicada do sítio este sistema pode ser a diferença entre ficar atolado ou não. Ajudam os ângulos de entrada (25º) e saída (31º) generosos. Agora, se o seu barato é fazer um off-road pesado, não perca seu tempo e vá direto para o Defender – usado, pois ele não é importado desde 2012.
Depois do susto, a surpresa
De volta à Islândia, outro susto. Em uma curva o colega que está ao volante perde o controle do carro e caímos de uma ribanceira de uns 4 metros. Ali, eu sentencio que precisaremos de ajuda de alguém maior e mais forte (leia-se Defender) para, literalmente, sair do buraco. O colega começa a dar ré e, surpreendentemente, o Sport sobe a parede de gelo e volta à estrada. Que valentia!
Apesar do uso extremo o consumo médio não assusta. O computador de bordo mostra média de ótimos 12,2km/l de gasolina pura, melhor do que muito carro 1.0 por aí. O Sport brasileiro poderá ter uma novidade sob o capô. A marca não confirma, mas há boas chances de o motor 2.0 a gasolina virar flex no ano que vem.
No carona, aproveito para ouvir o som da grife Meridian com 17 autos falantes e reprodução fiel da música. O sistema de entretenimento do painel é novo e tem interface intuitiva. O GPS parece ser completinho, mas não funciona nesta ilha onde o vento faz a curva.
Flanelinhas virtuais
Na hora de estacionar uma série de flanelinhas virtuais ajudam o motorista (e não cobram R$ 2 por isso!). São sensores, câmeras e intermináveis pi-pi-pi-pi. Mas, se a preguiça bater, o modelo traz o sistema Park Assist, aquele que faz a baliza sozinho. Cabe motorista acelerar ou frear, de acordo com indicações no painel. E o carro faz todo o resto.
A não ser que você seja contorcionista, chegar aos assentos traseiros dará um certo trabalho. Lá, a impressão é a de sempre: crianças e baixinhos vão viajar numa boa. Pessoas de estatura mediana vão reclamar. E os altos (acima de 1,80m) talvez deixem de ser amigos do motorista. Com as três fileiras de pé o porta-malas leva apenas mochilas. Já com a última fileira rebatida abre-se um latifúndio de 1.698 litros. Dá até para levar um dos muitos pôneis islandeses.
Bom de guiar, valente no off-road, bonito e confortável, o Discovery Sport é o modelo mais racional da marca. Pena que esta máquina tão bacana deverá servir para levar e trazer crianças ricas para escolas internacionais, sem nunca sujar os pneus 235/55 R19 na lama. Que desperdício de potencial!