Carros modernos e a fuga do lugar-comum
Os carros evoluíram, ficaram mais seguros e eficientes. E sem criatividade
Carrego uma convicção comigo. Séria, e alarmista: os carros são todos iguais. Sim, em nome dos custos, da produtividade, do meio ambiente, da segurança e das legislações, os carros avançam a passos largos no campo da tecnologia e da eficácia. Mas todos avançam juntos de mãos dadas, e raramente existe algo que difere um carro de outro de forma singular, como vimos no passado.
Não que isso seja bom ou ruim, mas simplesmente o lado inventivo de muitos engenheiros está mais escasso do que água no Sistema Cantareira. Basta resgatar o passado para encontrarmos algumas soluções insólitas que, se não fossem eficientes ou mesmo inteligentes, fizeram com que muitos parassem por uma fração de segundo e refletissem sobre aquilo.
Tivemos um Alfa Romeo 33 16V. Boxer, 4 cilindros. E 4 comandos de válvulas! Por que não? Assim como o Renault R4 tinha entre-eixos diferente entre os lados pela montagem de sua suspensão traseira e o Renault 21 alternava entre motor longitudinal e transversal apenas mudando o propulsor escolhido. Por que não os freios de estacionamento atuando nas rodas dianteira como o Citroën Xantia, assim como o volante de um raio apenas de diversos outros veículos da marca, como o DS?
O mundo está mesmo mais chato. Já não temos volantes assimétricos como o Subaru XT, nem mesmo painéis deslocados como o Alfa Romeo GTV. Isso sem contar os assombrosos painéis digitais dos anos 80 que fizeram a alegria da garotada e dos geeks em uma época que a informática apenas engatinhava. Grandes peruas com porta-malas cujas tampas se abriam em dois sentidos diferentes? Esqueça. Assim como a chance de se ter uma pick-up V8 conversível com teto de lona como a Dodge Dakota é mínima.
Quatro rodas esterçantes como no Honda Prelude ou mesmo duas opções de carroceria em um mesmo carro apenas trocando a seção traseira da capota como no Nissan Exa? Esqueça, definitivamente. Assim como os faróis escamoteáveis que fizeram a felicidade de muitos e fomentaram o nascimento de diversos bebês, também. Até mesmo as peruas, num âmbito geral, estão desaparecendo.
O mais triste, a meu ver? Vá dando adeus às versões esportivas a preços acessíveis. Compactos com uma pimenta a mais foram sumariamente assassinados em prol de carros mais altos e com roupa de Transformers. Arroubos de ignorância, como Buick GNX e GMC Syclone são cada vez mais raros. Ah, sim: veículos feitos para andar até debaixo d'água, como Toyota Land Cruiser e Nissan Patrol também começam a ser mais raros que eleitores do Levy Fidelix. Carros pequenos com tração traseira? Não mais. São pouquíssimos, como Renault TwinGo e Smart ForTwo, incapazes de encher a mão de um ex-presidente que tivemos. Motor Wankel? Só depois na nova Arca de Noé.
O máximo que tivemos nos últimos anos não anima muito. Talvez o volante de cubo fixo dos antigos Citroën C4 ou o Nissan Murano CrossCabriolet, que já está pela hora da morte.
Eu só queria, de verdade, uma coisa: Marty McFly, me empresta o De Lorean? Só quero voltar um pouquinho no tempo e ver que o que perdemos de tecnologia ganhávamos de criatividade e personalidade.