Toyota Etios Cross – O pequeno escoteiro
Aventureiro tenta provar que não é apenas uma versão maquiada do Etios
A intenção de Baden-Powell ao criar o escotismo era fazer o jovem assumir seu crescimento se destacando pela fraternidade, lealdade, altruísmo, responsabilidade, respeito e disciplina. Muitas destas características fazem parte do Etios por causa de sua descendência japonesa, mas na versão Cross ele está mais apto às tarefas ao ar livre. Bom, pelo menos é isso que este pequeno escoteiro quer aparentar.
Lançado no final do ano passado, o Toyota Etios Cross é baseado na versão XLS 1.5 – um pouquinho mais equipada que a XS 1.5 que avaliamos. O que realmente muda no Cross é a área da carroceria coberta por plásticos. Eles escondem os para-lamas, quase a metade das portas e ainda um pequeno pedaço da tampa do porta-malas. Toda a ornamentação se completa pelos para-choques exclusivos com apliques prateados – o da dianteira parece o bigode do Hulk Hogan – e pelas barras longitudinais cromadas.
Ok, mais coisas mudam. Os faróis são diferentes, sem as setas, que por sua vez ficam posicionadas acima dos faróis de neblina. Ainda há um prolongamento acima dos faróis para ocupar o espaço entre eles e o “bigodinho”. Os repetidores de seta nos retrovisores são exclusividades da versão. As rodas aro 15” também eram, até o lançamento do Etios Platinum em junho.
Aliás, a roda está no meio da parte mais intrigante deste Cross. Ela não está calçada com pneus com alguma intenção de ver terra ou lama, nem mesmo está mais distante dos para-lamas: a suspensão não tem qualquer ajuste específico. Ele ainda precisará de muito aprendizado antes de sair por aí desacompanhado – e você entenderá o por quê daqui a pouco.
Por dentro a discrição assusta. Parece que a verba disponível para a criação da versão não foi suficiente e sobrou apenas para criar uma nova capa para os bancos – que continuam simples, sem qualquer moldura plástica em volta ou ajuste de altura - com a inscrição “Etios Cross”. Fora isso, o que temos é o mesmo interior da versão XLS, com o volante revestido em couro e com comandos do som. Bom, nós continuamos adorando os volantes do Etios – que, infelizmente, só tem regulagem de altura e fica devendo o de profundidade.
O painel já era exótico o bastante e não precisou de novidades, nem mesmo um novo grafismo para os instrumentos. As críticas são as mesmas, e dizem respeito ao erro de paralaxe – devido ao ponto de vista – que se tem por causa da forma como os instrumentos mostram suas informações. Pelo menos tem como instalar seu GPS ou smartphone logo à frente do volante sem atrapalhar a visão. Chato foi perceber que a forração do assoalho é presa por grampos, que, se colocados corretamente, estariam escondidos sob a borracha das portas.
Em compensação, o Etios Cross continua sendo capaz de levar quatro pessoas com conforto. Os bancos dianteiros com encosto mais fino aumentam o espaço para as pernas de quem viaja atrás, parecendo ter muito mais do que 2,46 metros de entre eixos. A capacidade do porta-malas se mantém em 270L, e nesta versão você não precisa da chave para abrir a tampa, basta pressionar um botão localizado onde antes ficava a fechadura.
Não há como esperar algo diferente sob o capô. Lá está escondido nosso querido 1.5 16V Flex, que gera 96.5 cv @5.600 rpm e 13,9 kgfm de torque a 3.100 rpm quando com álcool. Lembro novamente que não é justo julgá-lo pela potência. Por ter comandos das válvulas de admissão variável, este 16V é muito elástico e tem fôlego em todas as situações. Talvez o maior erro da Toyota tenha sido lançar uma versão aventureira e não uma com apelo esportivo.
O motor é mais do que suficiente para os 985 kg do hatch. A saída é vigorosa e a transmissão tem engates precisos, sem manhas, apenas com curso um pouco mais longo em algumas marchas. A boa embreagem, com acionamento leve e certeiro é cúmplice. A direção eletroassistida também soma pontos positivos: é sempre leve, mas seu peso é progressivo e sua atuação é direta na medida certa.
Por terem negado qualquer alteração na suspensão, este Etios continua absorvendo muito bem a irregularidade das vias e ainda assim adernar pouco nas curvas, mantendo boa estabilidade e transmitindo certa solidez. Isso teria piorado caso a suspensão fosse elevada, mas poderia ser melhorada se ficasse mais rígida à moda das versões esportivas.
O que temos aqui é um lobinho que quer subir em árvore com sapatilhas para pilotar. “Isso não vai dar certo, capitão!”
…E não deu
Não temos criatividade. Como a maioria dos aventureiros e SUVs que passaram por nossa garagem, o Toyota Etios Cross foi levado para conhecer a Lagoa de Maricá. Foi onde ele descobriu o que é poeira e viu uma restinga de perto. Curtiu bastante aquela tarde. Já manobrando para ir embora descubro que não estava exatamente sobre um chão de terra batida: embaixo da roda dianteira direita havia um buraco de areia. Aquela roda estava em falso e não há qualquer sistema de bloqueio do diferencial. Atolamos.
Nosso escoteiro estava preso. Estávamos diante de uma bela paisagem e na iminência do pôr-do-sol, mas nossa preocupação maior era que ali não era exatamente um local de passagem, sem contar que o poste de iluminação pública mais próximo estaria a cerca de 4km dali. De tão limpo, não havia tábuas, cordas, papelão… nenhum detrito que pudesse nos ajudar. Assim como nosso escoteiro, não estávamos preparados para aquilo ali. Experimentamos a agonia. Mas a oitava Lei escoteira diz que o escoteiro sorri e assobia sobre todas dificuldades.
Poderíamos ter ligado para o 0800 da Toyota e rezar para o reboque nos encontrar, mas descartamos por lembrar que o número não funcionou com celular na avaliação do Etios XS. Descartado. A saída parecia ser escavar sob a roda que girava em falso e tentar encaixar o estepe ali para a roda voltar a ter aderência. O problema era que o carro descia e parecia ficar agarrado na areia pelo para-choque…
Eis que passa um rapaz de motocicleta e promete que avisaria da situação na padaria de um conhecido, que poderia nos socorrer com um 4x4. Mas continuávamos tentando resgatar nosso amiguinho vermelho desesperadamente até que aparece simpático um casal de idosos em um Santana 1.8 pré-1998. Eles tinham ganchos e uma corda de nylon que no dia anterior teria resgatado o cunhado. Ressecada, a corda estourou três vezes mas deu conta do Etios, que também acelerava com a roda sobre o estepe. Saiu! E intacto!
Ficamos imensamente gratos ao casal. Saímos dali atrasados e marrons de terra e passamos na padaria para nos reabastecermos. E o rapaz da moto não havia passado lá.
Deste dia em diante nunca mais duvidamos de um AP!
Na ponta do lápis
O Etios Cross é vendido em pacote único, sem opcionais e segue o pacote da versão XLS. Figuram entre os equipamentos de série ar-condicionado, direção elétrica, retrovisores, travas e vidros elétricos (nas quatro portas, mas sem função um-toque), rádio/cd player com leitor MP3 e entrada USB, faróis de neblina, rodas de liga leve aro 15”, chave com telecomando e alarme antifurto, além dos obrigatórios airbags e freios ABS. Continua devendo computador de bordo, alto-falantes traseiros, regulagem de altura dos cintos e do banco do motorista, entre outros pormenores.
Com preço sugerido de R$ 48.240 e sem características técnicas que o coloque como um aventureiro e sem nada muito diferente senão o visual carregado, fica difícil não vê-lo como uma compra puramente emocional. Se ao menos tivesse conquistado a insígnia do mar, seria um anfíbio…
As Leis escoteiras do ponto de vista do Etios Cross:
1 - A Honra, para Escoteiros, é ser digno de confiança.
Reza a lenda que Toyota não quebra…
2 - O Escoteiro é leal ao Rei, à sua pátria, aos seus escotistas, aos seus pais, aos seus empregadores, e aos seus subordinados.
Por mais que o Etios tenha sido criado para países emergentes – como Índia, Brasil e África do Sul -, ele mantém características de carros de sua pátria, como a portinhola do tanque de combustível do lado esquerdo.
3 - O Dever para o Escoteiro é ser útil e ajudar o próximo.
O que um carro faz de melhor, senão ser útil a seu proprietário?
4 - O Escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros, não importando a que país, classe ou credo o outro possa pertencer.
O Etios Cross é aventureiro, assim com um Gol Rallye e um Palio Adventure, independente de seus motores, transmissões e da altura livre em relação ao solo.
5 - O Escoteiro é cortês.
Diferentemente do Etios XS, o Cross abre as portas ao pressionar o botão da chave. É ou não um gentleman?
6 - O Escoteiro é amigo dos animais.
Nenhum animal foi maltratado durante esta avaliação, apenas eu, enquanto escavava a areia.
7 - O Escoteiro obedece às ordens dos seus pais, do seu monitor ou do seu chefe escoteiro.
Se a Toyota convocar um recall para o Etios, ele certamente atenderá. Não há dúvidas.
8 - O Escoteiro sorri e assobia sobre todas dificuldades.
O Etios Cross fez o que pode e se livrou da areia sem qualquer arranhão…
9 - O Escoteiro é econômico.
Ainda que prejudicado pelo tempo acelerando para sair do buraco, a média com álcool foi de 10km/l, usando a calculadora já que não há computador de bordo.
10 - O Escoteiro é limpo no pensamento, na palavra e na ação.
Com comportamento do motor e da suspensão exemplares, seus movimentos são friamente calculados.
Galeria
Fotos | Henrique Rodriguez
Ficha técnica
Motor: Dianteiro, transversal, quatro cilindros em linha, 16 válvulas, gasolina/etanol, 1.496 cm³ de cilindrada, 92 cv (g)/96,5 cv (e) de potência máxima a 5.600 rpm, 13,9 kgfm (com ambos os combustíveis) de torque máximo a 3.100 rpm.Transmissão: Câmbio manual de cinco marchas,tração dianteira.
Aceleração de 0 a 100 km/h: 11,1 segundos.
Direção: Pinhão e cremalheira, com assistência elétrica.
Freios: Discos ventilados na frente e tambores atrás, com ABS.
Suspensão: Dianteira independente do tipo McPherson, com barra estabilizadora. Traseira com eixo de torção e barra estabilizadora. Não oferece controle eletrônico de estabilidade.
Rodas e pneus: Rodas em liga leve 15×5,5, pneus 185/60 R15.
Dimensões: Comprimento, 3,90 m; largura, 1,73 m; altura, 1,55 m; distância entre-eixos, 2,46 m.
Capacidades: Tanque de combustível: 45 litros; porta malas: 270 litros; carga útil (passageiros e bagagem): 422 quilos; peso: 985 quilos.