Os urbanos que querem ser off-road e os off-road que querem ser urbanos
Quando o mercado começa a confundir o papel de cada carro
Carros aventureiros são, basicamente, versões de peruas, hatches, picapes e até mesmo minivans com visual diferenciado. Eles querem provar que suspensão elevada, pneus de uso misto, plásticos, estribos, racks e, muitas vezes, o famoso estepe pendurado na tampa do porta-malas os faz capazes de encarar estradas de terra repletas de crateras. Se eles encaram seu carro “civil” também, a diferença é apenas que o risco de raspar o carro é menor.
Pense rápido: qual carro que nasceu para encarar trilhas conta com tantos adereços?
Dos que me lembrei rapidamente, a primeira geração do Land Rover Freelander tinha plásticos nos para-lamas, o primeiro Toyota RAV4 ainda tinham para-choques sem pintura, e jipes como o Suzuki Vitara e o Pajero tinham o estepe pendurado na traseira, mas devido a falta de espaço interno. No entanto, eles não venderam/vendem tanto por aqui para servir de exemplo.
Questão de status?
Depende de alguns fatores. Os marqueteiros da Fiat enxergaram que poderiam aproximar o consumidor comum do tão restrito àquela altura segmento de utilitários esportivos, inaugurando por aqui a tendência de carros aventureiros em 1999, com o Palio Adventure. Mais tarde a versão terminou virando uma linha, tendo como adeptos o Idea, a Strada e o Doblò. Hoje ainda há os Uno Way e Strada e Weekend Trekking. A Fiat já esteve tão empolgada com isso que chegou a criar snorkel para a linha Adventure há alguns anos. Isso é coisa útil em Troller…
Concorrentes logo viram a força desse nicho. A Ford reviu seus conceitos e atacou de EcoSport em 2003. Além de ser derivado de um compacto - seu projeto serviu de base para o Fiesta – nasceu como um SUV compacto e salvou a Ford do Brasil. Fez tanto sucesso que sua segunda geração, lançada no ano passado, é global. Ele inaugurou uma tendência global, seguida pela General Motors, com Opel Mokka/Chevrolet Traxx/Buick Encore, e pela Peugeot com o 2008.
A Volkswagen também seguiu a Fiat. Em 2006 lançou o CrossFox, o hatch altinho com adereços plásticos que tornou a tendência popular. Tanto que o “Cross” se espalhou pela marca tendo hoje adeptos como SpaceCross, Saveiro Cross e o Gol Rallye, que renascerá na próxima semana trazendo consigo o inédito Gol Track, um Rallye mais “light”.
O ponto culminante, talvez possa ser o Citroën Aircross, desenvolvido para o Brasil e lançado por aqui primeiro que sua versão civil, o C3 Picasso. Os “gringos” perceberam que essa tendência tem apelo por aqui. Um outro bom exemplo é que o HB20X, foi o segundo derivado do HB20 lançado por aqui, e não demorou. Agora até o Fit tem uma versão “plastificada”, a Twist, que por sinal está tendo boas vendas.
Muitos optam por estas versões por gostarem de dirigir na posição mais alta que a suspensão elevada proporciona. Mas há realmente necessidade de tanta parafernália? Não! O desempenho chega a ser afetado pelo centro de gravidade mais alto, pelo peso extra dos plásticos e de seu impacto na aerodinâmica, que junto aos pneus de uso misto, que duram menos e geram mais ruídos, aumentam perceptivelmente o consumo.
O pior ainda é estepe pendurado na tampa do porta-malas. Ele sobreviveu nesta nova geração do EcoSport, mas foi com muito custo a Citroën do Brasil conseguiu convencer os franceses para coloca-lo na traseira do Aircross. Além de complicar o acesso à bagagem, deixa o pneu mais suscetível a furtos. Pelo menos os estribos frontais, que eram empregados nos primeiros Palio Adventure, Fiesta Trail (R.I.P) e CrossFox, que colocam em risco a segurança dos pedestres, já não são mais vistos.
No outro extremo
Hoje os utilitários esportivos e crossovers estão mais acessíveis. E o mais curioso é que eles perderam o aspecto bruto que os aventureiros tentam ostentar. Estão cada vez mais urbanos, mais fáceis de dirigir e com desempenho e conforto mais próximo, senão igual, ao dos hatches e sedãs médios e grandes, mantendo a grande sacada dos carros citados aqui: a posição de dirigir elevada. O atual Kia Sportage, por exemplo, em nada lembra o carro bruto que foi nos anos 90, com um fraco motor turbodiesel.
Atualmente, neste segmento apenas os japoneses Suzuki Vitara e Mitsubishi Pajero Full mantiveram o estepe pendurado. O novo Toyota RAV4, que será lançado na próxima semana já o aboliu, assim como fez o Honda CR-V em sua geração anterior, datada de 2007. E a tendência é mesmo essa, pois, em outros mercados já é considerado algo manjado e afeta negativamente a segurança.
Os motores diesel desapareceram do segmento, ficando restritos às picapes grandes e seus derivados. Tração 4x4 com reduzida são raridade. O mais comum hoje é tração integral, que pode não ser tão eficiente no fora de estrada, mas é bem vindo no asfalto para melhorar a estabilidade. Até com o consumo de combustível se importam!
Será que ainda demora muito para os pequenos reverem seus conceitos?