A Coreia do Norte e seu mercado automotivo peculiar

Em um país onde moto é artigo de luxo, carros são para pouquíssimos

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Com seus mísseis apontados para o ocidente, a República Popular Democrática da Coréia, mais conhecida por todos, sem retórica ou eufemismos, como Coréia do Norte, tem para si voltados os olhos do mundo há algumas semanas. O grande problema é que este mundo vê pouco além da zona desmilitarizada que a separa da Coreia do Sul. Menos ainda sua indústria automotiva – sim, ela existe.

Convido-lhe para conhecer um pouco – o pouco que se sabe – de um dos países com a menor quantidade de automóveis per capita, onde ter uma habilitação é difícil e um privilégio, e o emprego de chofer é um dos mais prestigiados.

Contrastes

Qual a marca de automóveis oficial dos ditadores ao redor do mundo? Sim claro, a Mercedes-Benz. Não é que a fabricante tenha alguma ligação com os regimes, mas há algo nela chama a atenção deste tipo peculiar de governante. Isso, pelo menos, até antes do comercial do novo Classe A.

O finado governante da Coreia do Norte,  Kim Jong-Il, tinha paixão velada pela estrela de três pontas. Paixão esta herdada de seu pai, Kim Il Sung, Presidente Eterno que hoje encontra-se exposto embalsamado no Palácio Memorial de Kumsusan próximo à sua Mercedes 500 SEL. Fala-se que de tão admirador da engenharia alemã ele teria mandado construir localmente uma cópia do Mercedes-Benz série 200. E provavelmente se decepcionou.

A indústria automotiva norte-coreana nasceu na década de 60, montando carros de projeto soviético, que ainda hoje circulam. Isso sem contar com os veículos militares.

Enquanto a Coreia do Sul construía arranha-céus para abrigar seus escritórios, a Coreia do Norte resolvia construir um ainda maior. Isso resultou em um hotel, até hoje parcialmente inacabado. Então, quando o Sul resolveu desenvolver carros a partir do zero o ditador Kim Il-sung ordenou a seus subordinados que fizessem o mesmo.
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Os primeiros carros da Hyundai eram modelos Ford licenciados. Só em 1974 ela lançou seu primeiro carro, o Pony, com motores e alguns componentes fornecidos pela Mitsubishi.  O que os engenheiros norte-coreanos puderam fazer foi desmontar vários Mercedes 190Es (um dos carros mais comuns do país) e copiar seus componentes. Com qualidade rudimentar, bem longe do perfeccionismo alemão, surgiria o Kaengsaeng 88 (foto acima). Ele seria equipado com um motor de quatro cilindros e era desprovido de luxos como aquecedor ou ar-condicionado, e teve algumas poucas unidades produzidas.

Coleção de Mercedes-Benz

Apesar das sanções econômicas, Kim Jong-Il teria acumulado mais de US$ 20 milhões em carros da Mercedes-Benz, boa parte comprada com dinheiro de ajuda humanitária, conta-se. Era pelo menos 10 carros redundantes de cada modelo, sendo que 5 sempre estavam prontos para rodar e desta forma dissuadir qualquer atentado contra sua vida que os serviços de inteligência não conseguissem evitar.
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Certa vez um desertor disse a um jornal sul-coreano que, nas décadas de 70 e 80, quanto mais importante era um funcionário, mais luxuoso era seu carro, muitas vezes um Mercedes. Ou seja: se tinha um 280SE era bastante poderoso, se fosse um 560SEL poderia ser o próprio carro do  Kim Il-sung. Ou não.

Kim Jong-Il também dava seus Mercedes de presente. Ele teria distribuído 200 como prêmio para seus seguidores em 2001, após o sucesso em o teste de lançamento de um novo míssil de longa distância sobre o Japão. Em 2010 160 sedãs da marca teriam sido distribuídos para oficiais do alto escalão.
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Em seus último anos de vida, Kim Jong-Il circulou por sua nação em Maybachs, posteriormente substituídos por duas Mercedes-Benz S600 Pullman Guard, fortemente blindados que teriam sido comprados na China, de onde eram suas placas.

O que não agradava Sung eram os carros japoneses. Os poucos que circulavam na Coreia do Norte terminaram sendo confiscados pelo governo em 2010, e desde então proibidos.

Não se sabe se sabe se o atual Líder Supremo da República Democrática Popular da Coreia, o Kim Jong-un, de 29, tem a mesma paixão por Mercedes. Ele é pouco conhecido até mesmo pela população do país.

Poucos carros para poucos

Na Coreia do Norte, carros são, em sua maioria, de propriedade estatal e utilizada por seus funcionário. Só uma minoria é particular, usada pela elite dominante. Não se sabe ao certo quantos existem em todo o país. Estima-se algo em torno 250.000 veículos, sendo apenas 30 mil automóveis. Pouquíssimo para um país com 24 milhões de habitantes. E a maioria circula pela capital Pyongyang, que é também a cidade mais populosa.

E há grande preocupação com a preparação dos motoristas, que em sua maioria conduzem para autoridades. Por lá existem algumas formas de se obter habilitação, sendo a mais comum um curso intensivo com a duração de vários meses, onde se aprende tudo dos mais variados aspectos que afetem a condução e a manutenção dos automóveis, incluindo avançada noção de manutenção. É bem capaz de serem os motoristas mais preparados do mundo…

A Coreia do Norte hoje

North korean car (8)Contrastando com as grandes cidades orientais, Pyongyang não tem engarrafamentos. O pouco trânsito é gerido por guardas (mulheres em sua maioria) e raríssimos semáforos.  O meio de transporte mais comum hoje é a bicicleta, que durante décadas foi proibida mas agora tem uso incentivado pelo governo. Bicicletas representam até mais do que ter um carro no Brasil 30 ou 40 anos atrás, mas seu uso também requer um registro específico e mulheres ainda são proibidas de circular com elas.

Mais afortunados tem ciclomotores e motocicletas, que tem tanto status quanto um Mercedes no Brasil. Há, inclusive, uma brincadeira local muito comum que diz que “poderiam lhe emprestar a esposa, mas nunca a motocicleta”.
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Única empresa que hoje fabrica automóveis, e também a única que faz publicidade na Coreia do Norte, a Pyeonghwa Motors foi  fundada em Seoul, na Coreia do Sul pela Igreja da Unificação, organização religiosa que luta pela reunificação das Coreias e transformou-se em joint venture. Atualmente importa carros em CKD, em kits e os monta no Norte. A linha já foi composta pelos primeiros Fiat Siena e Doblò (importados em kits do Vietnã) e pelo SsangYong Chairman de primeira geração, baseado no Mercedes-Benz W124, o carro mais luxuoso da marca. Hoje há apenas carros chineses da Brilliance e utilitários de qualidade duvidosa da Shuguang.

Há, sim, uma boa variedade de carros chineses, estes importados de forma bastante dificultada, e muito mais difícil hoje devido às sanções econômicas da ONU.
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Há transporte público, que além de trens e metrôs, inclui ônibus, trólebus e bondes elétricos que usam tecnologia tcheca do século XX. Alguns dos 1000 Volvo 144s, “comprados” da Suécia na década de 70, mas que até hoje não teriam sido pagos, estão disponíveis como táxi, assim como antigos carros soviéticos. Mas é um serviço para os poucos que podem pagar.
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Combustíveis alternativos?

imagesÔnibus, bondes, metrôs, trens… Todos elétricos. Parece uma iniciativa legal e ecológica, mas não é. Talvez toda essa privação de veículos automotores seja justificada pela escassez de gasolina e diesel já sofrida pela Coreia do Norte. Um dos combustíveis alternativos usados por muitos caminhões Sungri-58, baseados nos GAZ-51 da URSS, é o carvão vegetal. Eficiente, pelo menos na redução da dependência do país por petróleo.


Fontes |  Hooniverse, KCSR, The Chosunilbo, Car And Driver, North Korean Economy Watch, Pyeonghwa Motors, República Democrática da Coreia, "Automobiles Made in North Korea"

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