Entraremos no novo regime automotivo – E daí?
Por Stephan Keese
Na última coluna falamos sobre as discussões e negociações do acordo comercial com o México, sendo mais uma das medidas desenvolvidas pelo governo para proteger as empresas aqui instaladas. Ano passado também discutimos sobre o aumento do IPI, que afetou bruscamente a venda de importados no Brasil. Essas ações, na verdade, foram prenúncios de um movimento maior, onde foi estabelecido o novo regime automotivo 2013-2017, que visa, em resumo, atender a três principais pilares: restrição às importações, estímulo ao avanço tecnológico e proteção ao emprego no Brasil.
O primeiro pilar, de restrição às importações, nasceu do aumento do número de importados de aproximadamente 160 mil em 2005 para 825 mil em 2011, representando quase um terço do mercado. A estratégia para combater essa escalada resulta principalmente no decreto que determina o aumento do IPI em até 30% para produtos que não são produzidos localmente, e também na negociação do acordo de importação com o México, reduzindo o déficit brasileiro que ocorreu no último ano.
O segundo pilar, de estímulo ao avanço tecnológico, foi abordado no novo regime através de regras que definem que a maioria dos processos produtivos básicos devem ser feitos nacionalmente (8 de 12 processo até 2017, 10 de 12 processos após 2017). Ou seja, grande parte do veículo deverá ser soldada, prensada e montada em fábricas brasileiras. Além disso, para ser elegível para o regime, as empresas deverão investir 0,15% (0,5% a partir de 2017) da receita bruta em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Número relevante, dado que a média mundial é 0,3%, de acordo com o MDIC. Ainda é necessário investir 0,5% (1% a partir de 2017) da receita bruta em engenharia e tecnologia industrial básica.
Com essas medidas, espera-se que o corpo de engenharia e desenvolvimento brasileiro se torne mais robusto e exemplos de carros com alto conteúdo tecnológico se tornem cada vez mais frequentes nas pranchetas dos engenheiros brasileiros. Paralelamente, o programa de etiquetagem veicular do Inmetro, que mede a eficiência energética dos produtos também está vinculado ao regime. Com o aumento da participação das empresas, espera-se também que tenhamos tecnologias mais limpas e eficientes.
O terceiro pilar, de proteção ao emprego no Brasil, além de estar correlacionado com as medidas contra importação, também é sustentado pela desoneração da folha de pagamento, onde as empresas contribuirão com 20% a menos para o INSS, contribuindo em troca para um tributo de 1% sobre o faturamento bruto. Essa renúncia fiscal representa R$ 7,2 bilhões por ano aos cofres do governo, aproximadamente R$ 1 bilhão para o setor de autopeças.
Adicionalmente, os projetos de novas fábricas no Brasil serão incentivados. Empresas planejando construir uma unidade terão crédito tributário para ser utilizado quando a fábrica estiver funcionando, além de receber cotas de importação para os modelos futuramente produzidos por aqui. Essa medida dá mais segurança à companhia investindo, promove a competitividade durante o período pré-produtivo e garante futuros postos de trabalho.
Outra medida em paralelo, que busca avanço tecnológico e proteção do emprego é a mudança no cálculo do índice de nacionalização, que será feito agora em referência ao custo de produção do veículo, e não ao faturamento da empresa, como é feito hoje. Com isso, o índice-meta será de 55%, e apenas as companhias que atingirem esse índice poderão receber o benefício da isenção dos 30 pontos percentuais adicionais de IPI.
Enfim, se qualificando para o novo regime, a expectativa é de que as empresas produzam veículos com mais conteúdo nacional, invistam em mais engenharia e tecnologia, modernizando suas fábricas e seus produtos, ofereçam ao mercado tecnologias mais eficientes energeticamente e operem de forma mais eficiente e competitiva.
Apesar de parecer a receita mágica para a competitividade, muita atenção é necessária nessa transição para o novo regime. Criar grandes barreiras para produtos importados pode colocar os produtos nacionais numa bolha, onde a falta de produtos superiores tecnologicamente a preços competitivos trará acomodação aos produtos locais, reis de seu domínio com isenção de impostos e baixa tecnologia. Há também o risco de encarecimento de tecnologias locais com o investimento em pesquisa, desenvolvimento e engenharia, caso gargalos de educação e infraestrutura não sejam resolvidos, por exemplo. Precisamos confiar na competição interna por market share e na guerra de preços como principais combustíveis a incentivar as empresas a começar uma corrida tecnológica.
Para o consumidor só resta esperar esse avanço tecnológico, resultando em veículos feitos no Brasil mais equipados e com preços mais acessíveis. Caso contrário, o Brasil continuará sendo o País que produz veículos de alto volume com baixa tecnologia embarcada. E o importado completo que você estava pensando em comprar ficará mais caro.
O governo apresentou suas propostas para os próximos anos, e, perfeitas ou não, elas que determinam o novo cenário competitivo brasileiro. As montadoras (e importadoras) devem reservar um tempo para refletir sobre os impactos em suas estratégias e investimentos. Com certeza algo irá mudar e ficará muito difícil vencer no mercado nacional sem investimento em inovação e produtividade nas fábricas, sejam novas ou antigas.
Stephan Keese é sócio-diretor e responsável pelo segmento automotivo da Roland Berger Strategy Consultants